Na tarde da última quarta (18/10), a 347ª Reunião Ordinária (RO) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) foi marcada por um ato político, ao mesmo tempo um culto religioso, com lideranças do candomblé. A manifestação, acompanhada por uma plateia de diferentes credos, teve forte conexão com a proposta do encontro.
A escolha de Salvador, capital da Bahia, para sediar a 347ª RO do CNS foi motivada, principalmente, pela decisão de fortalecer o SUS também como espaço de práticas antirracistas e antidiscriminatórias. Racismo e discriminação não combinam com os princípios de universalização, equidade e integralidade que regem o SUS desde seus primórdios. Os debates e propostas produzidas pela 17ª Conferência Nacional de Saúde reafirmaram esse entendimento.
A Bahia, mais do que berço do Brasil e um dos primeiros destinos da população africana escravizada, o que lhe confere valor simbólico inestimável, é acima de tudo um lugar de luta histórica e permanente contra a chaga do racismo e de seus diversos reflexos na sociedade. Recentemente, o assassinato de mãe Bernadete e a reação dos movimentos sociais ao crime representaram mais um episódio dessa luta.
Um pouco antes dessa violência, a sonora vitória eleitoral do projeto democrático-popular contra o fascismo na Bahia, assim como no conjunto do Nordeste, realçou a importância da região como palco da resistência e avanço da justiça contra a barbárie.
Atabaques, cantos e orações em três línguas africanas sustentaram o ato. No contexto do encontro, a manifestação também marcou a defesa da resolução 715, aprovada na 17ª Conferência Nacional de Saúde, de reconhecer os terreiros e espaços de culto afro-brasileiros também como locais de saúde que compõem a rede de atendimento do SUS. Essa resolução provocou incompreensão em diferentes setores da sociedade, repercutida pela imprensa e pelas redes sociais.
O culto-ato colocou as coisas em seus devidos lugares. Quem ouviu, entendeu. Destaque para a fala da coordenadora da Renafro Núcleo Lauro de Freitas, Ìyá Márcia d'Ògun, ao defender a resolução aprovada pela 17ª Conferência.
“Durante a pandemia de Covid-19, fomos a única religião que foi esquecida nos protocolos especiais adotados naquele período”, disse ela. Ìyá Márcia d'Ògun destacou que os terreiros, em todo o país, sempre se dedicaram aos trabalhos de cuidados de saúde mental, física e espiritual das pessoas que os procuram. E isso não foi diferente na pandemia, mas, mesmo assim, apenas outras igrejas e templos foram oficialmente aceitos como espaços de apoio ao trabalho de vacinação das populações, por exemplo.
“Vocês notaram que não há moradores de rua dormindo na porta de terreiros”, perguntou ela, dirigindo-se à plateia. “Porque nós os acolhemos, oferecemos banho, roupas, refeição. Se quiserem ficar ou se quiserem ir embora depois disso, todos sabem que serão bem-vindos em qualquer situação”, completou ela.
A realização do ato-culto foi uma proposta de conselheiros e conselheiras de saúde candomblecistas. Um deles, Doté Thiago Soares, representante da Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (Renafro), explicou a celebração: “Não há melhor lugar para celebrar do que a Bahia. Nós, das religiões de matriz africana, estamos fazendo este ato para demonstrar um pouco de nossa religiosidade e vivências. Os nossos terreiros são portas de entradas do SUS, nós damos cuidados a quem nos procura, mas ninguém aqui diz para as pessoas não tomarem remédios recomendados pela ciência e trocar por água benzida. Nossos terreiros precisam ser respeitados”.
Também conselheiro nacional de saúde, o líder religioso Alcides Carvalho frisou que o candomblé crê que a dimensão da fé se dá no plano coletivo, na convivência solidária entre as pessoas. “Ogum nos chama para nos reunir e pensar no coletivo. Para o povo iorubá, solidariedade é uma questão de saúde. Nada se faz sozinho. Saúde é uma questão de humanidade”.
Altamira Simões, psicóloga, conselheira nacional de saúde e também candomblecista, bradou contra o racismo e todas as suas manifestações, como o racismo religioso. “Estamos aqui aquilombadas e aquilombados. Nossos atabaques dizem: racistas, não passarão”.
No encerramento do ato, o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto, recebeu uma carta da Renafro, com recomendações e propostas para avançar no combate ao racismo no âmbito do SUS.
fonte Ascom CNS
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